terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Memórias.

Uma pequena narração que me veio a cabeça enquanto estava olhando a paisagem. Espero que gostem.

Clica em play e leia ouvindo. ^^

 



Caled é meu nome, acabei de me mudar para uma cidadezinha pequena a fim de começar a faculdade. Arranjei um pequeno apartamento perto do instituto, barato, prático e com uma aparência de muito velho. As paredes estavam um pouco sujas porque ainda não tivera tempo para limpar o lugar, havia acabado de terminar a mudança que não fora tão grande, afinal eu não possuía muita coisa aos 19 anos.
É o primeiro dia na universidade e inúmeros pensamentos me vêm à cabeça. A ansiedade domina minha alma e nem ao menos sei o motivo exato. O vento está vindo e indo levemente pelos meus cabelos castanhos e jogava-os nos meus olhos. Isso me irritava, talvez eu cortasse outra hora.
O prédio era pequeno e isto era uma coisa pela qual eu agradecia muito porque não ficaria perdido à toa. As aulas se passaram sem delongas, os alunos eram receptivos e os professores animados, voltando para o apartamento no final da tarde eu pensava em arranjar um trabalho. Os carros passavam acelerando indo para casa, uma garota de cabelos negros passou rápido pelo meu lado e sumiu ao longe após uns minutos. O edifício ficava até considerável quando o olhava no final da tarde, onde as rachaduras e paredes descascadas não apareciam sem que você fosse muito perto. Subi as escadas até o terceiro andar e me deparo com a garota que passou mais cedo do meu lado, estava tentando abrir a porta do apartamento à frente do meu, passei meio que despercebido por ela e entrei, fui direto ao banheiro e logo depois no quarto, joguei minha jaqueta de couro na cama e ainda pensava em como arranjar um bom emprego quando ouço uma batida na porta. Curioso! Quem seria? Fui até a porta e vi através do olho mágico a mesma garota. O que ela queria?
Abri a porta e ela me disse:
       — Oi, sou Lola, vi que você é meu vizinho e me perguntei se não poderia me dar uma ajuda com a porta. Ela emperrou.
       — Hm. Claro. — Eu disse meio entediado.
Adiantei-me para a porta a frente e girei a chave que se encontrava ali, várias e várias vezes depois eu abri-a.
        — Muito obrigado por isso, se tiver alguma forma que eu possa retribuir ficaria muito feliz.
Disse a garota sinceramente.
       — A menos que saiba de um emprego que pague bem na cidade, creio que não. — Eu estava cada vez mais entediado e cansado.
       — Isso só pode ser coincidência! — Seu rosto se iluminou. — Hoje mesmo um dos funcionários da decoradora de jardins que trabalho se demitiu, ele era um grande amigo e meu parceiro.
Fiquei um pouco abismado, o destino era imprevisível. Eu não era ruim com decorações, aprendi um pouco com meu velho tio há tempos atrás. Logo me pus a dizer:
       — Nossa! Incrível. Quando posso ir ver?
       — Amanhã mesmo, nesta mesma hora. Combinado? — Ela esticou a mão para mim e deu um belo sorriso.
       — Sim, amanhã nesta mesma hora.
       — Então.. Tchau! — Ela soltara minha mão e falava timidamente.
       — Tchau, até amanhã.
Entrei em meu apartamento e dei uma última olhada para fora. A noite passou, o dia chegou e avançou em velocidade constante. Fui para casa mais rápido naquele dia a fim de tomar um banho e logo me postei no lugar esperado. A porta a frente se abriu, parece que alguém havia chegado mais cedo com a mesma intenção. Minha atenção ao emprego foi jogada longe quando a vi, os cabelos negros balançando, o sorriso meio tímido, ela estava linda. Não havia dado atenção no dia anterior por causa dos problemas, mas agora via o que tinha perdido, ela parecia ser alguém que aprendeu a lidar com a vida e a domá-la.
       — Oi. — Ela disse. — Como vai?
       — Olá, bem e você? — Corei.
       — Ótima, vamos?
Assenti com a cabeça e fomos andando, ela me perguntando sobre a minha vida e eu perguntando sobre a dela. Percebi que era realmente uma pessoa que vivia conforme o destino, dava até vontade de dizer a ela que me ensinasse a ser assim tão despreocupado, mas estava fora de questão já que nem a conhecia direito.
       — Chegamos. — Ela disse sorridente.
Um grande armazém com tons de verde, no meio do quarteirão. Entramos e fomos direto para uma escada que levava a uma pequena salinha, no caminho vi diversos tipos de plantas e ferramentas para jardinagem. Ela bateu na porta e uma voz falou para entrar, assim fizemos. Um senhor de idade em um terno cinza nos esperava, com um gesto ele apontou as cadeiras gentilmente e começou a dizer quando sentamos:
       — Soube que você quer trabalhar aqui, Caled, não?
       — Sim, desejo muito.
       — Lola falou a seu respeito e pediu para que o admitisse e tornasse você o parceiro dela porque ficaria mais fácil de trabalhar.
Dei uma olhadela para ela e voltei minha atenção ao velho.
       — Você irá passar por um pequeno aprendizado de como trabalhamos, com duração de dois meses, onde Lola achar melhor.
       — Muito obrigado senhor, muito obrigado mesmo.
Ficamos os três conversando e acertando tudo sobre o meu novo emprego até a lua tomar por completo o lugar do sol. Talvez uma luz tivesse aparecido na minha história, e eu não iria desperdiçá-la, afinal nunca me interessei por nada em minha vida, sempre indo pelos pensamentos de meus pais. Eu sentia ao menos que estava começando a andar novamente.
Nas semanas que vieram eu e Lola estávamos ficando cada vez mais próximos, ela decidira fazer um álbum para recordar tudo que vivemos, eu havia reanimado minha antiga câmera digital e agora enchíamos o livro todo. De manhã à tarde eu frequentava a faculdade, depois vinha para casa em uma aula com Lola, ela me ensinava desde a teoria a prática do paisagismo. Eu estava cada vez mais encantado por ela, mas tinha medo de dizer algo que nos afastasse. Eu sempre tive medo.
Quando minhas aulas com Lola acabaram eu estava pronto como jamais estive para uma coisa, iriamos decorar juntos o primeiro jardim! No final de semana seguimos até a casa de um cliente para ver o terreno e planejar. No outro dia tínhamos uma boa base.
Quando cheguei à meu apartamento um mês após aquele final de semana, o jardim estava pronto. Eu tinha dado tudo o que podia e fui muito elogiado junto de Lola, pelo chefe. O pagamento tinha sido muito bom e eu estava feliz, essa felicidade me fez pensar que já era hora de falar para Lola o que eu sentia. Ela que havia ficado um pouco a mais no jardim para dar os toques finais.
Acordei pela manhã, e fui direto para a faculdade sabendo que a tarde iria vê-la. Eu tinha me decidido, estava confiante como nunca estive antes. No meio da aula um dos funcionários abriu a porta e disse meu nome, me chamava e dizia que era urgente. Estavam ligando de um hospital, Lola havia sofrido um acidente dentro de um jardim e acharam dentro de sua bolsa o meu telefone e a primeira foto que havíamos tirado juntos.
Corri como se minha dependesse disso para o hospital indicado, não ficava muito longe. Meu desespero fazia me pensar nas piores coisas possíveis, eu só esperava que ela estivesse bem. Quando entrei no hospital e perguntei sobre ela para a recepcionista ela me deu a localização após uma série de perguntas que respondi impaciente. Quando cheguei ao lugar um médico estava na porta, perguntei o estado de Lola. Talvez não devesse. Ele me disse que um produto químico havia caído nos olhos dela quando Lola despejava-os acima, em algumas plantas, sobre uma escada. Com o susto ela caíra de uma altura de três metros e batera com a cabeça, ficando em coma e como demoraram em encontrá-la, havia perdido quase toda a visão.
Fiquei apavorado, não podia ser verdade, eu tinha que ver com meus próprios olhos. Entrei no quarto quando o médico disse que eu podia. Ela estava com uma faixa nos olhos e outra na cabeça. Sai fora do quarto e falei com o doutor novamente, se havia algum jeito de salvá-la, e ele me disse que uma visão em troca de outra. Fui embora com medo, chorando no caminho, chegando a meu apartamento eu fui arrumar minhas coisas, não podia mais ficar ali. Entrei no apartamento de Lola com a chave reserva que eu tinha e peguei o álbum que havíamos feito, logo após fiquei na rua esperando por um táxi que me levaria ao aeroporto.

Um mês depois..
Eu não sabia onde eu estava até os médicos me falarem, acordei estranha como se não me mexesse há séculos, havia uma venda em meus olhos. Eu tirei-a, a visão estava embaçada doía.
       — Não se esforce garota, você acabou de passar por uma cirurgia nos olhos. — Disse um médico próximo.
Eu fiquei apavorada e pedi explicações, e eles deram, foi quando me lembrei da queda e tudo o mais. Perguntei onde estava Caled, e o médico me disse que ele veio me ver no primeiro dia e depois saiu da cidade às pressas. Fiquei deprimida, muito deprimida até o dia em que recebi alta, uma semana depois. Logo meu chefe levou me até o apartamento, eu entrei e fui logo procurar a chave reserva do apartamento de Caled. Quando achei segui desesperada até o lugar, a chave não entrava.
       — Hm, Lola que bom te ver! O que está tentando fazer? Caled se mudou há um tempo já, foi embora da cidade, trocamos a fechadura por procedimento.
O porteiro viera dar as boas vindas para mim, e me explicara tudo. Então era verdade? Ele fora embora. Quando fechei a porta do meu apartamento comecei a chorar, cambaleei até minha cama e vi uma coisa conhecida. O nosso álbum! Abri-o mais rápido que pude, mas não havia nada. Joguei-o longe, com raiva e vi um pequeno papel cair no chão. Peguei o pedaço e li, era a caligrafia de Caled.

Não olhe para trás quando eu disser adeus, não vai querer ver minhas deprimentes lágrimas escorrendo e tampouco o buraco que há em meu peito. Esqueça tudo que já foi, recomece, deixe as mágoas ao longe, em algum lugar esqueça o passado e concentre em quem você é hoje. Para mim todos os dias perdidos sem sua presença tornam-se deprimentes, e se, eu todo o dia acordo sentindo culpa pelo que já fiz e ainda mais culpa ainda por te amar tão fortemente, é porque eu nunca te esqueci, se eu estou escrevendo isto é porque TE AMO e não te esqueci. Desculpa-me por nunca dizer isso antes, cometi erros e sei que não posso voltar atrás agora. Eu te amo.
P.S.: Nunca me procure, não importa o que aconteça ou o que te falem.
P.S. 2: Diga para o porteiro para te dar a chave da cobertura.

Porque ele faria isso? Eu não entendo. Eu o amava mais do que tudo, desde o primeiro momento que o vi, a fechadura havia sido uma desculpa. Eu queria apenas vê-lo mais uma vez. Corri para a portaria e pedi a chave, logo que ele me deu eu avancei rapidamente pelos andares até a pequena porta enferrujada que era da cobertura. Quando adentrei me deparei com uma das visões mais lindas da minha vida. Um jardim em plena cobertura, muito bem cuidado. Com diversas flores em círculos, e bem no meio, bem no meio havia uma garrafa com um pergaminho dentro.
  
“Se eu tivesse o mundo que queria ter, trocaria tudo por você, porque você é a minha fantasia.”
“Aqui, em teu peito quero encontrar meu eterno repouso e me livrar desse mundo de tramas inacabáveis, quero viver como as estrelas brincalhonas em meu céu vermelho. Que meus olhos me permitam vê-la mais uma vez, que meus braços podeis a vós abraçar e que meus lábios digam a você com um beijo doce tudo que se passa em meu coração! Sele a nós o contrato de nossa paixão incontrolável.”
Olá, Lola. Faça deste um lugar para desabafar quando estiver cheia do mundo. Aprecie o seu trabalho, e a visão de tudo o que me ensinou. Eu sempre te amarei, construa sua vida sem olhar para trás.
P.S.: Eu te amo.

Caled

Ele mudara a minha vida de uma forma mais que arrebatadora, maldito. Eu te amo Caled.
Cinco Anos depois..
Oi, sou Lola. Após todo aquele incidente eu vivi a vida. Achei alguém interessante, casei e hoje tenho minha família e minha própria agência de paisagismo. Neste momento estou no píer da cidade em que amei alguém mais do que a mim mesma. Estava próxima a um moço de uns vinte e quatro anos, brincando com um cachorro de cor caramelada da raça Golden Retriever. O moço olhava fixamente para frente e jogava uma bolinha de tênis para seu cachorro ir pegar, o cão ia e voltava na maior felicidade e ficava com a bola na frente do moço que o tateava até a boca e pegava a bola novamente. Após um tempo ele se levantou e armou uma varinha como a de deficientes visuais e chamou o cão:
       — Venha, garoto.
Eu congelei, nunca esqueceria daquela voz, nunca. Vi o homem ir embora, e depois de um certo tempo eu me encontrava naquela cobertura. Agora eu entendia o porquê de tudo. Eu nunca o esquecera, Caled, e nunca te perdi porque você sempre viu o que eu vi, sempre esteve em mim. E sempre estará.
Memorias.
 D Luppus





Um comentário:

  1. Se eu te dissesse que a idéia de uma história como a sua me veio a cabeça a uns dias atrás você acreditaria?
    Pois é,hehe'
    Um romance maravilhoso e que se encaixa perfeitamente em nosso dia-a-dia.
    Meus Parabéins ;*

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