domingo, 17 de julho de 2011

Acordado: Nova Vida


     Os raios de sol lambem a crista dos altos prédios do centro e recaem sobre o chão esquentando tudo para o meio dia. Pessoas andam e andam atrás de seus objetivos, inúmeros rostos que não me lembro de sequer uma característica após segundos passam. Não tenho um norte para seguir, me sinto sozinho mesmo rodeado de pessoas. É isto? Tudo o que eu tenho é o que estou sendo?

     (Branco).. (passos).. (bater de asas)..

     (Branco).. Tão longe de saber onde estou indo e tentando achar incessantemente quem eu sou. Sonhos incompreendidos resvalam nas paredes de pedra. Aroma de madeira. O ar está morno, porquanto difícil de respirar. Deixo minha visão planar sobre o local, suas paredes de pedra são mais aconchegantes do que realmente transmitem ser. O chão de tábuas, empoeiradas e marcado por dejetos das prováveis pombas que viviam ali, respondia a rangidos os menores movimentos que eu expressava assim destronando o silêncio natural. Um enorme sino dourado e ornamentado com os mais antigos desenhos pairava imóvel no meio da sala e em suas cordas havia um lenço vermelho atado destacando-se na presença dos travessos raios de sol passando pelo vitral que era uma das paredes. Sombras de algarismos romanos e ponteiros davam vida ao grande relógio. Uma torre do relógio? Como eu viera parar aqui? Deste modo espantar-me-ei. Contudo eu já não deveria estar?
      Fim de tarde, hora do crepúsculo, preciso voltar a andar! A exaustão deixara meu corpo no tempo em que eu ficara inerte na torre assim como a fome também fizera suas acomodações para longe, minha única vontade é mover-me, pois sinto que minha jornada possui agora um sentido oculto. Desço a velha escada no interior da torre com a maior rapidez possível e quando chego ao chão percebo que o manto da noite cobriu os céus. Uma visão estonteante estaca-me no chão frio: Uma avenida larga, cheia de prédios banhados pela luz da velha mãe e trazendo consigo suas próprias iluminações artificiais das mais variadas cores. Ali, trafegando no meio da avenida milhares de pessoas a andar, como antes individuais.
     Pouco-a-pouco começo a sentir meus pés querendo se mover para aquele meio. E não aceitar, por quê? Ando arqueado e pensativo vendo os vultos das faces cujos corpos sempre estão a desviar de mim. Os edifícios lançam suas sombras de vários formatos que caem sobre a multidão como garras afiadas de uma pantera, mas a mesma nem nota o menor sinal de algo errado.
     Parece que há tanta liberdade a desfrutar, porém não é para isso que aqui estou. Após percorrer aquele fantasioso mar de pessoas e construções por horas, vejo que os mesmos estão diminuindo. Não, eles estão se deteriorando. O mundo cuja visão tive não passava de uma carcaça podre, prédios colossais outrora divinos agora jaziam em ruinas que seriam logo consumidas por aquele chão se houvesse o menor sinal de impacto. Os zéfiros desprezavam aquele local certamente, pois nada agradável seria passear levantando a poeira dos milhares cadáveres mutilados.

     ONDE ESTOU? FUI AO INFERNO? POIS SE FUI ENTÃO QUE SE CUMPRA MINHA SENTENÇA POR TENTAR ACHAR UM SIGNIFICADO PARA VIVER ACREDITANDO.

     (Branco) .. Borrões vermelhos, dor ..

     — Dói um pouco no início, contudo você deve aproveitar porque vai apenas piorar.
     Uma voz conhecida? Quem é?
     — Olhai para mim e olhai bem. Tu Saberás quem é.
     Ao clareio da vista me arrependo. Que cena mais descarnada que essa hás de mostrar-me? Defuntos aos milhares, nus, alguns mutilados dos seus membros num cenário cinza e sujo que abriga apenas 2 almas vivas  — Se é que este sujeito está vivo e eu mesmo tenha alma ainda —. O homem estava sentado num trono feito com os próprios corpos do lugar, usava um manto preto e sua face era encoberta pelas sombras.
     — Assustado? Ficará ainda mais quando souber o que é tudo isto e se perderá no seu próprio mundo.
     Como ele pode saber o que estou pensando? Eu não disse uma palavra até agora.
     — Fácil, isto é por que eu sou você.
     Com um pequeno movimento ele retira o capuz. Terrível, mas belo ao mesmo tempo aquele meu eu antigo em toda a sua glória, quando não havia problema algum senão de não acordar muito tarde. O sorriso malévolo na minha própria face era difícil de se ver, um escárnio.
     — Tudo aqui és tu meu caro, ou melhor, é dentro de você, da sua alma. — Uma gargalhada gélida corta o ar e arrepia minha espinha — Esta é a parte da sua vida que seguiu adiante, os prédios são seus planos todos destruídos, as pessoas são os seus múltiplos destinos mortos e o sangue, ah o sangue! Seus sentimentos derramados por entre o mar da desilusão.
     Isso não pode estar acontecendo! Não pode ser eu, nunca me transformaria nisto.
     — Ah, sim. Olhe só o que fez consigo mesmo. Seus pais te desprezam tanto quanto qualquer coisa. Os amigos que há tanto ajudou agora riem pela sua costa e se puderem pisaram sobre tu. O amor que tanto procura se foi há muito e jamais voltará por que VOCÊ não foi digno de tê-lo. Tu Morrerás garoto, morrerás sim.
     NÃO. Impossível, impossível. Meu mundo caíra sobre mim e terminará nisto? Toda esta angústia e torpor não podem ser o fim. No âmago eu sinto uma pequena luz, uma esperança que me diz o contrário.
     — Não se apegue a uma coisa falsa como esperança.
     Uma sensação de alívio se espalha pelo corpo, a decisão já está tomada e me sinto confiante. EU LUTAREI FAZENDO OS SACRIFÍCIOS NECESSÁRIOS, VIVENDO E APENAS ISSO.
     — Se essa é sua decisão, então vá.
     Aquele mundo de perdição foi se desfazendo aos poucos, tudo virando poeira, desde as ruinas aos corpos. Estou sendo engolido ..

     (Branco) .. O ventilador gira e gira acima de mim em seu eterno trabalho e assim como minha vida, não sai do lugar. Deitado em algo que já não julgo como minha cama, mas sim um antro de perdição, pois nela eu penso, reflito e decido nunca tomar decisões e quando raramente tomo-as já se foi o pôr-do-sol vivente. Não vejo sentidos nas direções que tenho tomado e isso me inquieta, me atormenta pesadamente, porém vejo uma luz. Tudo pelo que passei dentro de minha alma foi um teste e obtive sucesso, derrotei a mim mesmo. Darei um novo sentido a minha vida, agarrarei o que me foi dado e farei o melhor que puder desta vez. A mudança começa por dentro não importa o tamanho do problema e disto sempre me lembrarei porque agora estou acordado.

 DLuppus

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Acordado: A Decisão


     O ventilador gira e gira acima de mim em seu eterno trabalho e assim como minha vida, não sai do lugar. Deitado em algo que já não julgo como minha cama, mas sim um antro de perdição, pois nela eu penso, reflito e decido nunca tomar decisões e quando raramente tomo-as já se foi o pôr-do-sol vivente. Não vejo sentidos nas direções que tenho tomado e isso me inquieta, me atormenta pesadamente.
     As cobertas tentam me prender como correntes, elas pesam sobre meu corpo como o fantasma que rodeia as cortinas de minha mente. Olhos que vagam calmamente pelos vazios espaços do quarto e só veem o resquício das atitudes de minha autoria, uma bagunça sem limites, porém esperada, pois eu parara de organizar há dias. O tempo nem faz mais sentido, agora é só uma forma tola de controle que o ser humano criou para si mesmo.
     
     (Branco).. Acordar e levantar passam a serem torturas hediondas quando sua vida segue sempre na mesma direção, contudo o pânico dessa ideia passou, pois me tornei parte dele, seu escravo mais devoto. De frente para o espelho vejo o meu eu desgarrado, aquela coisa de o tempo não fazer sentido não vale para meu corpo, porquanto a barba cresce malfeita e rala. O cabelo que já fora sedoso e bem cuidado sente o efeito da falta d’água e de pente. Como pude me tornar alguém tão desprezível de alma e corpo?
     
     Lá no mais profundo alento jaz uma vontade de bravos, uma vontade que eu não sinto a tanto que chega a doer. Mudar. Droga! Estou há tanto neste abismo de mesmice que vem estranha a sensação de uma nova faísca de esperança.
     Meus pés me guiam passo-a-passo por uma volta na casa. Essas lembranças, todas elas machucam-me como os golpes de um açoite de ferro. Lágrimas correm desenfreadas pela face despojada e se vão para cumprir seu ciclo. Posto-me a andar..
      
     (Branco).. A porta da frente do que eu chamo de minha casa, talvez seja ela que me levará a outro mundo ou pelo menos fará parar essas vozes de tentação. Talvez se eu passa-la.. Talvez. Com um rápido movimento a mão pega e gira a maçaneta, mas a visão causa decepção aos olhos. A mesma merda de ruazinha de sempre, com suas pessoinhas problemáticas e que se contentam em viver no limbo da mesmice. Tenho que fazer algo, mas se torna difícil saber o que é. Vou pensar, ah sim eu vou!
     
     (Branco).. AHHH QUE DOR! Minha cabeça vai explodir? Se eu morrer vou ter a paz que preciso? AHHHH..
     
     (Branco).. Estacado, contemplando a frente de “minha casa” e com o isqueiro importado do meu pai na mão. Uma fina linha de líquido vem em minha direção e morre no escuro do batente, o forte cheiro de álcool entra pelas narinas trazido pela brisa. Uma pequena esperança nasce em meu sombrio coração. A chama do isqueiro dança brincalhona e pede para encontrar o líquido inflamável e eu sinto que esse pode ser o caminho para encontrar minha salvação. É como alguém pensou uma vez, eu preciso disso como uma águia precisa voar.
     
     Um único movimento e o pequeno objeto cruza o ar caindo no chão e criando uma serpente de fogo que desliza até o obscuro interno da casa. Línguas de fogo cortam o céu engolindo a construção e fazendo a madeira estalar pedindo ajuda, porém eu viro a costa para minha antiga vida e me posto a andar sem rumo algum pensando que o destino pode estar contra mim, mas ele jamais vencerá esta guerra.

 DLuppus

terça-feira, 31 de maio de 2011

Mentira é a Nova Verdade


     Inevitável é uma característica que adequa-se bem a mentira que é tão necessária para o mundo, para as pessoas nas quais tornamo-nos.
     Foi, é e sempre será impossível viver sem mentir. Os seres humanos tem como dom primal a habilidade de alterar a verdade, seja de forma banal ou radical, para se proteger, completar objetivos, por prazer e para diversos outros fins. É incrível como mentimos tão comunalmente, já nem percebemos quando o fazemos por ser tão rotineiro e desventurado, ou às vezes nosso desempenho é tão bom que chega ao ponto de não termos o conhecimento de quando deixou de ser verdade, ou se a mesma algum dia verídica foi.
     O ato de mentir é necessário, útil e prazeroso por assim dizer, pois nos torna mais humanos, contudo com poderes divinos. Dá-nos concessões para mudar estórias, histórias e destinos. Por sermos tão individuais essa característica aumentou, e talvez a mentira nem sempre a tenha sido. Postemo-las como verdades que há muito foram esquecidas e agora são proferidas menos honestamente, pois a humanidade se contém e se retrai das coisas reais que a possam ferir.
     O homem é uma mentira do próprio homem porque seu verdadeiro eu é temeroso. Não somos bravos ou viris, apenas animais assustados que descobriram um dom cujo qual exalta-nos acima de tudo e de todos. É como uma droga que se enraíza nas entranhas de um viciado de uma forma muito profunda, impossível de largar, necessária. Mentir para viver já é nossa maior verdade há tempos.
 DLuppus

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Anseio liberdade

Um dia estarei lá
Onde ao longe vejo o sol se por
Vagarei por entre as flores
Deixarei a elas toda essa dor


Do ferimento sangue escorre
Vejo-me como o céu avermelhado
De que adianta essa vida
Se não me desapegares do passado?
O peito sofre em brasas
O corpo pede piedade
O ar torna-se pesado
Vejo mais perto a liberdade
A força interior aflora
É essa a verdade
Estou chegando até a flor
Daqui não levarei saudade.


Aleeh C.

sábado, 14 de maio de 2011

O Enterro


      Nem ao menos sei onde me encontro ou assim penso. A qual sensação horrível estou cedendo? Minha boca em plena secura vigora. A saliva já não mais circula e meus olhos em semelhante situação agonizam em ardência, cegos pela luz, porém se acostumando. AH! Músculos que doem, gritam em prol do movimento. Eis que meu peito se mancha de extrema angústia, parece que um grande pedaço de minh’alma fora queimada em brasas e logo depois estirado por pequenas pinças de aço. Sinto falta dos meus sentidos. O QUE ME ACONTECE?
     A sala de porte médio era composta de um branco e preto que guerreiam entre si pelo contraste, o branco com o mármore impecável como a neve, frio igualmente, um fúnebre glacial e cortante. O negro do piso refletido pelo teto arqueado e cheio de pinturas sombrias. Os seres de preto estão tristes. Cochichos circundam o ambiente, as rosas nos vasos fazem seus lamentos assim como as lágrimas que empoçam o chão, tristes e mais salgadas que nunca.
     Não me importo com nada disto, o que resta de mim não é do teu entendimento ou algo que eu possa falar sobre, o que tens que saber é que somente existe lá no fundo. Sinto de tudo um pouco de raiva. Às vezes tão perfeito, outras, tão podre. Tenho vontade de chorar, contudo as gotas inexistem para mim. Quero refletir e mudar o rumo dos pensamentos só que minha concentração se perde em meio à merda das hipóteses que formulo quatro vezes a cada segundo. Entenda que crises pessoais nunca foram o meu forte, mas eu sempre soube sair delas mais forte do que quando entrei.
     Posto me a andar pela extensão de sala, passo-por-passo, cada qual deles levando a imensidões de ideias outras imensidões de sentimentos. Ecoam ao percorrer. Que torturante dor esta que vara-me, pois nem ei de saber d’onde vem ou o que há de trazê-la agora. Mouco me encontro no morrer da caminhada, estacado atrás dos seres de preto que tanto se despedaçam em desgosto, no entanto abrem suas alas para um rei/morto renascido.
     Pés de ouro cintilante sustentam um caixão de fina madeira, este que chegais a ofuscar o verdadeiro propósito daquele místico momento. Deuses acorram o coração pulsante, já esquecido do manto sombrio outrora usado, pois o corpo que antes lhe pertencia jaz em profunda serenidade sobre a caixa de madeira fina.
     Soube então que havia morrido quem eu fora no passado, soube demasiado tarde que os seres de preto choravam por um cadáver inútil, que as rosas derramavam seu aroma fúnebre sobre aquele local tão perverso, cujos demônios e anjos lutavam com destreza por novos seguidores assim como as cores tentavam tomar o curto espaço uma das outras.
     Um suspiro afobado surge em meio aos zéfiros perambulantes do campo, contornando o colossal carvalho e voltando a esbarrar em meu corpo/seu dono. Pulso sanguíneo que lateja sem parar, querendo correr ou lutar? Sinto no âmago que nenhum, apenas resvala aliviado a sensação de um novo ar. Sonhos travessos que tratam de assustar o moleque rebelde que um dia já fui, sonhos travessos que de susto matam o homem que sou. Prometo, no entanto, que irei por um fim nesta agonia despejando no mundo um pouco de alegria, se é isto teu desejo, coração, então guie-me para a felicidade.
 ~~~~~~~||~~~~~~~


Notas do Autor: Olá leitores, aqui farei uma breve explicação deste maldito texto (rsrs). Sim. Maldito porque me custara várias semanas. Consegui transformar o sentimento de angústia, de ter “chegado ao fundo do poço”, mas para isso precisei escrever sempre quando estava com essa sensação. Penso que consegui o meu propósito, então vamos às explicações”.
     1° Parágrafo: Você sabe onde está, mas nem se importa mais com isso (que se f*da o mundo), no começo é tudo dolorido, mas com o tempo se acostuma à dor. Seus músculos querem se exercitar e correr pra um lugar bem longe de todos, mas é claro que você não faz e assim partes vão se perdendo, deixando-o distraído e sem sentidos.
     2° Parágrafo: Esta sala é como se fosse teu interior em guerra, o preto e o branco refletem oposição. Os seres de preto fazem uma analogia às pessoas que ficam em volta de ti sentindo pena e mais pena.
     3° Parágrafo: Seus amigos começam a te perguntar o que está acontecendo, porém você diz sempre “não sei”. Nesses momentos as coisas são inusitadas, perfeitas, podres, perfeitas, podres e sempre que tu tentas sair desse rumo acaba desistindo, pois a tristeza é grande.
     4° Parágrafo: Você segue cada vez mais profundamente para a depressão, tendo como companheira apenas a dor da solidão da qual nem sabe mais a origem. Tu passas pelos teus companheiros como um morto, mas eles entendem e já não tentam mais ajuda-lo.
     5° Parágrafo: Quando vê o que se tornou, o que está fazendo, começa a pedir ajuda para todos.
     6° Parágrafo: Quando entende que o seu eu antigo morreu e um novo deve renascer, julga os amigos certos, entendem que eles estavam querendo seu bem e que você vai recomeçar.
     7° Parágrafo: Quando tudo passa não lembram mais que um sonho distante, uma lembrança fraca na sua cabeça, porém a experiência para evitar que isso aconteça a outras pessoas está lá.
  
"Espero que gostem, meus cumprimentos..
 DLuppus





segunda-feira, 2 de maio de 2011

Apenas uma certeza

Os primeiros raios de sol entravam pela janela entreaberta, iluminando o pequeno quarto juntamente de uma leve brisa que balançava a cortina de um bege amargurado trazendo consigo o perfume das flores do jardim, chegando até a cama e fazendo-me sentir uma branda sensação de frio. Procurei pela manta vermelha que devia estar sob meu corpo; tateando pelo colchão encontrei em seu lugar algo tão macio, tão suave, tão quente. Mantendo o toque leve, deixei que minha mão percorresse por toda aquela maciez fascinante encontrando por fim aqueles sedosos cabelos castanhos. Tendo-os emaranhados em minhas mãos abri meus olhos, virando-me para enxergar o rosto tão belo que ao mesmo tempo virava-se para mim e se punha a fitar meus olhos.
Oh aqueles olhos profundo e intensos. Moldou-se um belo sorriso naqueles lábios sedutores, imediatamente retribuído. Minha lama perdeu-se na melhor sensação de prazer que conheço, colocando-me em estado de êxtase, delírios prendendo meus pensamentos em ilusões. Acordada pelo toque daquelas mãos quentes volto ao presente, ao encontro daquele olhar perfurante que chega até minha alma. Deixei-me tomar pelo sentimento que vinha explodindo por meus olhos, escorreram as salgadas lágrimas pelo me rosto... Os dedos impacientes enxugaram-no suavemente, sem deixar fugir os olhos dos meus.
Os braços fortes puxaram-me para um abraço quente e gentil, suprindo todas as necessidades que eu tinha naquele momento. Tudo o que mais precisava estava a envolver-me firmemente. Eu não queria sair dali, não podia sequer imaginar isso. A dor viria atormentar quando o espaço entre nossos corpos não estivesse preenchido totalmente e eu não queria adiantar esse sofrimento.
A angústia chegou até a porta do quarto, devorou-me inteiramente... Era horrível apenas pensar na falta daquele calor, incrível como fazia-me angustiar tanto assim. Era pior ainda lembrar-me que este era apenas um pensamento e que na hora da real distância seria torturada pela toda poderosa angústia e suas inseparáveis amigas saudade e solidão.
Fixei-me naqueles braços que me envolviam e livrei-me tão rapidamente daqueles pensamentos quanto eles apareceram. Olhei novamente naqueles olhos, percebi-os cautelosos, protetores e certos, como se soubessem dos meus pensamentos anteriores e quisesse afastá-los de mim. Senti o abraço tão cheio de sentimentos e entendi o porquê ficava tão aflita sem tudo aquilo. Era simples, como poderia viver com se esses braços apertando-me contra aquele corpo, como poderia imaginá-lo em lugares que desconheço, longe de mim? Cheguei rápido a resposta, não havia outra conclusão a não ser essa. Ele é parte de mim.
Precisava levantar-me da cama, havia tanto a fazer. Não estava fácil, não era fácil. Não vou quero perder essa proteção, não quero perder esse calor, não quero... Volto o olhar para a janela, observo a cortina balançando-se lentamente, sinto o perfume das flores do jardim, a brisa refrescando o ambiente, aquela presença maravilhosa. Tudo estava perfeito. O desejo de nunca mais sair daqueles braços chegou, dessa vez mais forte do que nunca. E então cedi a esse desejo. Fechei os olhos novamente e deixei que minha mente fosse encontrá-lo nos meus sonhos, tinha certeza de que lá essa presença também era certa. E certeza era tudo o que eu tinha...

Aleeh C.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Insensato desprezo

Nesta noite não poderia voltar para casa. Seria torturante demais e eu não precisava disso. Disse a mim mesma que aquele seria apenas mais um dia ruim, que toda e qualquer pessoa sensata o colocaria em sua caixinha de lembranças na parte mais profunda e escura, no ponto mais escondido que houvesse dentro dela. O grande problema é que não sou uma pessoa sensata... E essa minha insensatez fará com que eu sofra mais do que qualquer um poderia.
A realidade era insuportável e a loucura agora é minha fiel e mais certa companheira. Ficar tentando exaustivamente mudar minhas memórias, as minhas verdades, não fará com que as pessoas sejam menos banais nem irá mudar meu mundo pra melhor. Aliás, isso é impossível, só por esse egoísmo que me consome de uma forma tão brutal, já sei disso e não enxergo nada e ninguém ao meu redor.
Concentro-me em esquecer as lembranças. Não consigo. Revivo-as a cada instante, aquelas tão reais e recentes lembranças. Dou-me contar de estar andando roboticamente pra um lugar há tempos conhecido, estava caminhando em círculos por entre as flores umedecidas pelo orvalho da madrugada havia algumas dezenas de minutos, joguei-me para o chão. Senti o forte impacto, os músculos se contraíram forçando meu corpo para uma posição fetal dando um forte abraço em mim mesma. Era essa uma sugestão de meu subconsciente de que precisava de proteção. Proteção? Eu não queria proteção. Não me importaria em agora ser puxada para um buraco, cair em um labirinto subterrâneo frio e fedorento e ser perseguida por criaturas que a qualquer momento me devorariam. Mas essa é apenas mais uma mentira, não é? A verdade é que não há nada ali além daquelas flores, da grama molhada sob meu corpo e do estridular de pequenos grilos.
Pus-me sentada, tirei o velho par de tênis, rasguei os jeans largo e desbotado, a camiseta espedaçou-se pelo chão. Juntei todos aqueles pedaços inúteis e eles voaram para longe; estas eram mais verdades que eu precisava mudar. Forcei meus pés contra a grama molhada, senti-a por entre meus dedos. Aquilo era reconfortante. Afundei minhas mãos na terra fria, agarrei um punhado dela e espalhei-a por meus braços, minhas pernas, meu rosto.
Vi um par de olhos em meio da escuridão, era uma coruja... Sentia seu olhar profundo e cauteloso pousado sobre mim, num julgamento perigoso daquela criatura estranha que invadia seu natural. Imediatamente substituí-a por pessoas, qual seria a reação delas ao verem-me assim? Imaginei os olhares enojados, os sussurros absurdos, as provocações e por fim o dó. Eu era tão repugnante assim para que as pessoas sentissem até dó de mim? Abri um amargo sorriso, era essa mais uma verdade, mas eu a desprezava; Preferia aquela coruja observando-me a aquelas pessoas incapazes de entender a intensidade de minha vivência.
 Deitei-me novamente, olhando para o céu. Pude enxergar a lua, ela parecia clamar por atenção. Estava encoberta por nuvens de chuva. Não demorará muito e minhas lágrimas juntar-se-ão às do céu. Revivi as emoções daquele dia outra vez, porém as sentia de outro modo; a dor do abandono, da humilhação, da solidão já não era tão insuportável e sim libertadora. Era esse o fruto de minhas plantações, não? Nada mais justo.
Na verdade já esperava por isso, sabia que esse desprezo com que via as pessoas, os tão fúteis e ignorantes seres que se dizem racionais, voltaria para mim. Minha superioridade se foi, fui despedaçada, encaixotada, destruída... A guerra interior começaria. A batalha entre dois lados, o do desprezo e o da sensatez estava prestes a ter início.
Começaram os trovões, era a representação perfeita dos sons daquela batalha dentro de mim. Um raio... Alguém ferido. Fogo... O vencedor foi definido, a bruxa levada à fogueira. O vento vem carregar as cinzas e a chuva cai. Vem para lavar meu corpo, lavar minha alma.
Repousei a cabeça sobre uma pedra, tudo rodava. Trêmula e confusa por conta do estrago que eu mesma causara, estava preste a adormecer. Tive apenas uma última visão, uma sensação boa, um pensamento... Um vulto chegou perto, segurou-me forte e carregou-me nos braços. O toque tão leve e macio ardia em meu corpo que implorava desesperadamente para que aquilo nunca acabasse. Era uma sensação tão incrível que se tornou pavoroso pensar em não tê-la naquele instante. Senti-me descarregada, finalmente em paz. "Poderia me levar para casa agora?"
E meus olhos se fecharam...


Aleeh C.