sexta-feira, 15 de abril de 2011

Insensato desprezo

Nesta noite não poderia voltar para casa. Seria torturante demais e eu não precisava disso. Disse a mim mesma que aquele seria apenas mais um dia ruim, que toda e qualquer pessoa sensata o colocaria em sua caixinha de lembranças na parte mais profunda e escura, no ponto mais escondido que houvesse dentro dela. O grande problema é que não sou uma pessoa sensata... E essa minha insensatez fará com que eu sofra mais do que qualquer um poderia.
A realidade era insuportável e a loucura agora é minha fiel e mais certa companheira. Ficar tentando exaustivamente mudar minhas memórias, as minhas verdades, não fará com que as pessoas sejam menos banais nem irá mudar meu mundo pra melhor. Aliás, isso é impossível, só por esse egoísmo que me consome de uma forma tão brutal, já sei disso e não enxergo nada e ninguém ao meu redor.
Concentro-me em esquecer as lembranças. Não consigo. Revivo-as a cada instante, aquelas tão reais e recentes lembranças. Dou-me contar de estar andando roboticamente pra um lugar há tempos conhecido, estava caminhando em círculos por entre as flores umedecidas pelo orvalho da madrugada havia algumas dezenas de minutos, joguei-me para o chão. Senti o forte impacto, os músculos se contraíram forçando meu corpo para uma posição fetal dando um forte abraço em mim mesma. Era essa uma sugestão de meu subconsciente de que precisava de proteção. Proteção? Eu não queria proteção. Não me importaria em agora ser puxada para um buraco, cair em um labirinto subterrâneo frio e fedorento e ser perseguida por criaturas que a qualquer momento me devorariam. Mas essa é apenas mais uma mentira, não é? A verdade é que não há nada ali além daquelas flores, da grama molhada sob meu corpo e do estridular de pequenos grilos.
Pus-me sentada, tirei o velho par de tênis, rasguei os jeans largo e desbotado, a camiseta espedaçou-se pelo chão. Juntei todos aqueles pedaços inúteis e eles voaram para longe; estas eram mais verdades que eu precisava mudar. Forcei meus pés contra a grama molhada, senti-a por entre meus dedos. Aquilo era reconfortante. Afundei minhas mãos na terra fria, agarrei um punhado dela e espalhei-a por meus braços, minhas pernas, meu rosto.
Vi um par de olhos em meio da escuridão, era uma coruja... Sentia seu olhar profundo e cauteloso pousado sobre mim, num julgamento perigoso daquela criatura estranha que invadia seu natural. Imediatamente substituí-a por pessoas, qual seria a reação delas ao verem-me assim? Imaginei os olhares enojados, os sussurros absurdos, as provocações e por fim o dó. Eu era tão repugnante assim para que as pessoas sentissem até dó de mim? Abri um amargo sorriso, era essa mais uma verdade, mas eu a desprezava; Preferia aquela coruja observando-me a aquelas pessoas incapazes de entender a intensidade de minha vivência.
 Deitei-me novamente, olhando para o céu. Pude enxergar a lua, ela parecia clamar por atenção. Estava encoberta por nuvens de chuva. Não demorará muito e minhas lágrimas juntar-se-ão às do céu. Revivi as emoções daquele dia outra vez, porém as sentia de outro modo; a dor do abandono, da humilhação, da solidão já não era tão insuportável e sim libertadora. Era esse o fruto de minhas plantações, não? Nada mais justo.
Na verdade já esperava por isso, sabia que esse desprezo com que via as pessoas, os tão fúteis e ignorantes seres que se dizem racionais, voltaria para mim. Minha superioridade se foi, fui despedaçada, encaixotada, destruída... A guerra interior começaria. A batalha entre dois lados, o do desprezo e o da sensatez estava prestes a ter início.
Começaram os trovões, era a representação perfeita dos sons daquela batalha dentro de mim. Um raio... Alguém ferido. Fogo... O vencedor foi definido, a bruxa levada à fogueira. O vento vem carregar as cinzas e a chuva cai. Vem para lavar meu corpo, lavar minha alma.
Repousei a cabeça sobre uma pedra, tudo rodava. Trêmula e confusa por conta do estrago que eu mesma causara, estava preste a adormecer. Tive apenas uma última visão, uma sensação boa, um pensamento... Um vulto chegou perto, segurou-me forte e carregou-me nos braços. O toque tão leve e macio ardia em meu corpo que implorava desesperadamente para que aquilo nunca acabasse. Era uma sensação tão incrível que se tornou pavoroso pensar em não tê-la naquele instante. Senti-me descarregada, finalmente em paz. "Poderia me levar para casa agora?"
E meus olhos se fecharam...


Aleeh C.


3 comentários:

  1. Mtt bem escritooo, beeem compostooo @! adooorei s2s2s2

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  2. Porém, contudo, entretanto. Eu, em minha mais profunda sabedoria (se permite me dizer)não encontraria jamais, as tão singelas e magníficas palavras que você, minha linda, utiliza nas coisas que escreve. Quando 'leio você' não sei mais quem és. Te confundo com uma criança a sonhar, com uma mulher feita que sabe aonde pisar e também como uma sábia que vê, reflete e entende TUDO a sua volta.

    Obrigada menina, obrigada mulher por NOS MOSTRAR A VIDA e mais, por nos mostrar o ENTENDIMENTO!

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